domingo, 28 de fevereiro de 2010

Trecho de Capitu (Machado de Assis)

De todos os textos que li, de todas as definições de um poeta acerca de um olhar, essa de Machado de Assis seria a mais completa e fascinante. A forma como Bentinho descreve os olhos de Capitu é a mais perfeita tradução do entusiasmo criador que habita no ser humano. “Olhos de cigana oblíqua e dissimulada...traziam não sei que fluido misterioso e enérgico.”
Ano passado (2009), a Globo exibiu de modo brilhante a minissérie Capitu a fim de comemorar o centenário de Machado de Assis. E não mais interessante que isso, a trilha sonora incluída traduziu o grandeza dessa linda história de amor e traição. Me emocionei em cada cena, com as lembranças de Bentinho, com a definição daquele amor imenso que nasceu na infância e o acompanhou até a adolescência.Para quem não assistiu, vale a pena adquirir o DVD. Eu recomendo!
"Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, “olhos de cigana oblíqua e dissimulada.” Eu não sabia o que era obliqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim.
Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira, eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas.
A demora da contemplação creio que lhe deu outra idéia do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que…
Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu.
Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram.
Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca.
Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me.
Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. A eternidade tem as suas pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e dos suplícios.
Há de dobrar o gozo aos bem-aventurados do céu conhecer a soma dos tormentos que já terão padecido no inferno os seus inimigos; assim também a quantidade das delícias que terão gozado no céu os seus desafetos aumentará as dores aos condenados do inferno. Este outro suplício escapou ao divino Dante; mas eu não estou aqui para emendar poetas.
Estou para contar que, ao cabo de um tempo não marcado, agarrei-me definitivamente aos cabelos de Capitu, mas então com as mãos, e disse-lhe,para dizer alguma coisa,que era capaz de os pentear, se quisesse."

- Machado de Assis in “Dom Casmurro”

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Saudade (Fernando Pessoa)



Hoje eu estava lendo um e-mail que o Conselho Regional de Psicologia mandou para mim e para os demais psicólogos da região. Tive a curiosidade de verificar se haviam endereços de pessoas conhecidas, que foram da minha época de estudante.
Foi quando vi nomes de antigos colegas, companheiros de curso que me fizeram vivenciar tanta coisa boa, que fizeram parte da minha história e foram a minha família quando eu estava longe de casa.
Vi nome de antigos amores, de professores, de colegas de sala...
Foi inevitável pensar no que essas pessoas estariam fazendo agora, no rumo que deram ás suas vidas. Muitos casaram, outros se mudaram. Teve gente até que escreveu livro e fez filme!
Nossa quanta saudade meu Deus! Foram 5 anos que passaram tão depressa. Aprendi tanto!
Espero um dia poder rever esses queridos amigos e dar o abraço que guardo carregado de afeto.




Saudade
Fernando Pessoa

Um dia a maioria de nós irá se separar. Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, as descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que compartilhamos.

Saudades até dos momentos de lágrima, da angústia, das vésperas de finais de semana, de finais de ano, enfim... do companheirismo vivido.

Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre. Hoje não tenho mais tanta certeza disso. Em breve cada um vai pra seu lado, seja pelo destino, ou por algum desentendimento, segue a sua vida, talvez continuemos a nos encontrar quem sabe...

Podemos nos telefonar, conversar algumas bobagens...

Aí os dias vão passar, meses, anos... até este contato tornar-se cada vez mais raro. Vamos nos perder no tempo...
Um dia nossos filhos verão aquelas fotografias e perguntarão:Quem são aquelas pessoas? Diremos que eram nossos amigos. E isso vai doer tanto!


Foram meus amigos, foi com eles que vivi os melhores anos de minha vida!

A saudade vai apertar bem dentro do peito. Vai dar uma vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente quando o nosso grupo estiver incompleto, nos reuniremos para um ultimo adeus de um amigo e entre lágrimas nos abraçaremos.

Faremos promessas de nos encontrar mais vezes daquele dia em diante.
Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vidinha isolada do passado. E nos perderemos no tempo...
Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida passe em branco e que pequenas adversidades seja a causa de grandes tempestades.

Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!